IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA MINERAÇÃO

Há quatro décadas, a extração do minério de bauxita em Oriximiná vem se dando à custa do desmatamento de extensas áreas de floresta. A mineração ocorre no interior de uma Unidade de Conservação, onde vivem comunidades quilombolas e ribeirinhas.

A população local relata uma história de convivência com graves danos socioambientais decorrentes da atividade minerária. Também manifesta o sentimento de insegurança frente aos riscos das 26 barragens de rejeitos instaladas pela Mineração Rio do Norte e denuncia o despreparo para lidar com eventuais situações de emergência por rompimento das estruturas.

Floresta em Disputa

A exploração mineral em Oriximiná implica na destruição de florestas que, até então, eram fonte de alimento e renda de diversas famílias quilombolas e ribeirinhas. Novas áreas de florestas ainda deverão ser derrubadas nos próximos anos para permitir a continuidade das atividades da mineradora com impactos acumulativos e sinérgicos sobre a vida dessas famílias e o meio ambiente.

Toda a extração ocorre dentro da Floresta Nacional de Saracá-Taquera, instituída em 1989. Porém, desde muito antes da criação da Unidade de Conservação (UC), as florestas e recursos hídricos da Flona de Saracá-Taquera já eram utilizados de diferentes formas por comunidades quilombolas e ribeirinhas (NEPOMUCENO, 2021).

Dois territórios quilombolas encontram-se sobrepostos à Flona de Saracá-Taquera: as Terras Alto Trombetas I e Alto Trombetas II onde vivem cerca de 656 famílias distribuídas em 14 comunidades. Cálculos da Comissão Pró-Índio, com base em dados da Agência Nacional de Mineração, apontam que a área de concessão da MRN sobreposta a esses dois territórios quilombolas soma 38.000 hectares.

É difícil precisar quantas famílias ribeirinhas da região usam e dependem dos recursos ambientais da Flona de Saracá-Taquera (NEPOMUCENO, 2021). Ao menos, 739 ribeirinhos residem diretamente na unidade, enquanto um número indeterminado de famílias, embora tenham suas casas fora da UC, possuem uma dependência econômica de seus recursos. Só no Projeto de Assentamento Agroextrativista Sapucuá-Trombetas, há 31 comunidades ribeirinhas que somam 1.287 famílias, boa parte delas com casas ou áreas de ocupação (ou ambos) na unidade (NEPOMUCENO, 2021).

A exploração mineral em Oriximiná, portanto, envolve uma disputa em torno do uso da floresta que opõe comunidades tradicionais e a exploração mineral empresarial em larga escala com altos custos socioambientais.

Floresta destruída pela mineração em Oriximiná
© Carlos Penteado

Impactos nos Cursos D’água

A indústria da mineração depende dos recursos hídricos, de modo que pode gerar impactos na sua qualidade e quantidade. A água é utilizada tanto para à exploração da jazida, como também durante os processos de beneficiamento do minério.

Quilombolas e ribeirinhos relatam diversas alterações nos cursos d’água e consideram que estas decorrem da atividade da Mineração Rio do Norte. A empresa, por sua vez, apresenta uma série de estudos que atestariam a inexistência dos impactos relatados. Ainda está por ser realizado um estudo independente que possa dirimir a controvérsia e subsidiar a busca por soluções para mitigar as transformações diagnosticadas pelas famílias que se utilizam dessa água há décadas no seu dia a dia.

Para os quilombolas e ribeirinhos, as principais impactos são: a restrição de acesso a água potável (sobrecarregando o trabalho das mulheres que são as principais responsáveis por assegurar água potável), o surgimento de novas doenças (atingindo especialmente crianças e mulheres) e a diminuição do pescado.

Os rios, lagos e igarapés são, para essas comunidades, fonte de acesso da água para beber, cozinhar e para a higiene pessoal. Também asseguram alimento por meio da pesca que é de grande importância para a soberania alimentar dessa população. E são as principais vias de acesso numa região onde praticamente não existem estradas.

Há anos, os moradores do Quilombo Boa Vista denunciam os impactos nos recursos hídricos que têm comprometido a disponibilidade de água potável, a realização de atividades domésticas (como banho e lavagem de roupa) e ainda a pesca. Apesar de ser vizinha da vila da Mineração Rio do Norte, a comunidade não conta uma rede de abastecimento de água e saneamento básico adequada.

Do mesmo modo, moradores das comunidades ribeirinhas Boa Nova e Saracá, onde vivem cerca de 77 famílias, relatam os graves impactos nos cursos d’água – como a mudança da sua coloração e o rebaixamento dos níveis fluviométricos dos igarapés – dificultando o seu acesso à água de qualidade, gerando doenças e impactando a atividade pesqueira.

Água com a cor da bauxita sai do poço na comunidade ribeirinha Boa Nova (2018)
© Carlos Penteado

Soberania Alimentar Sob Risco

Vale destacar que a destruição das florestas pela mineração tem impactos na segurança alimentar de comunidades quilombolas e ribeirinhas. As famílias perdem porções de floresta que garantiam alimento e renda.

Além disso, os comunitários associam as modificações geradas pela mineração nos cursos d’água à significativa diminuição do pescado, sendo o peixe um alimento muito importante na sua dieta alimentar.

Insegurança frente às Barragens

Outro motivo de preocupação para quilombolas e ribeirinhos são as barragens de rejeitos da Mineração Rio do Norte. Quilombos e ribeirinhos que vivem a jusante das estruturas estão cientes dos riscos que envolvem tais estruturas e temem por seu futuro no caso de um rompimento.

A avaliação dos riscos e impactos deveria ser subsidiada por um diagnóstico das formas de uso pelos ribeirinhos das florestas e recursos hídricos situados na zona de risco, em um estudo que demonstrasse, por exemplo, que a ocupação dos moradores de Boa Nova e Saracá abrange pontos na mata muito mais próximos das barragens e das áreas mais severamente atingidas por uma possível onda de inundação, em caso de rompimento.

O sentimento de insegurança é agravado pela ausência de um programa de treinamento sistemático para situações de emergência. Somente em 2019, a empresa realizou o primeiro simulado de emergência com os moradores do Quilombo Boa Vista.

Lideranças ribeirinhas se queixam também da ausência de acordos prévios que determinem com clareza quais serão as responsabilidades da mineradora em caso de rompimento das barragens. Acordos que possam explicitar compromissos com os ribeirinhos em caso de um acidente seja qual for a sua proporção.

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Quilombo Boa Vista (à direita) e instalações e barragens da MRN (à esquerda)
© Carlos Penteado

O Desafio de Ampliar o Diálogo e a Participação

Embora exista algum nível de diálogo entre as comunidades e a mineradora, bem como entre as comunidades e órgãos de governo, ainda são muito limitadas as oportunidades para a população impactada pela mineração em Oriximiná efetivamente influenciar as diferentes decisões relativas ao empreendimento que afeta significativamente as suas vidas.

A importância da participação e engajamento da população local nas decisões relativas a empreendimentos de mineração é reconhecida por diferentes organismos internacionais. Recentemente, com a aprovação do Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental na América Latina e no Caribe, o Acordo de Escazú, em 2018, mais uma vez foi registrado que o direito à participação deve ser assegurado sempre que estejam em jogo questões ambientais de interesse público.

Nesse sentido, os espaços de diálogo e negociação precisam ser assegurados durante todo o ciclo de vida do empreendimento, especialmente tendo em vista que a fase de produção pode durar décadas e é aquela com maior potencial de causar impactos ao meio ambiente e às comunidades por longo prazo.

A promoção pelo Poder Público de canais de negociação é especialmente relevante tendo em vista a realidade de vulnerabilidade e desigualdade vivenciada pelas comunidades ribeirinhas e quilombolas em Oriximiná e a assimetria de poder que marca a sua relação com a empresa. São importantes ainda para a promoção de um ambiente de liberdade e segurança onde a população atingida possa se expressar sem medo de represálias.

Permanece o desafio em Oriximiná de se instituir canais permanentes de diálogo e decisão compartilhada que possibilitem real escuta por parte do governo e da empresa para as questões postas pelas comunidades impactadas e a construção conjunta de soluções efetivas e duradouras para os problemas vivenciados.

Por fim, outro desafio a ser respondido é a elaboração de um estudo independente e profundo que permita uma visão holística dos impactos socioambientais da mineração de bauxita em Oriximiná para subsidiar o diálogo entre comunidades, empresa e governo. Uma avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos entre as muitas intervenções promovidas nos últimos 42 anos pela Mineração Rio do Norte que permita analisar a real magnitude e abrangência temporal e espacial dos impactos gerados sobre o meio ambiente e a população local.