Firmado o acordo, agora, a expectativa é que a Funai e Iterpa agilizem a regularização dos dois territórios

Foto: Lúcia Andrade/CPI-SP

No último dia 30 de julho, índios e quilombolas formalizaram perante ao Ministério Público acordo sobre os limites da Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana e da Terra Quilombola Cachoeira Porteira, situadas em Oriximiná, no Pará. O acordo põe fim a um conflito gerado no decorrer dos processos de regularização fundiária dos dois territórios.

Índios e quilombolas se relacionam e compartilham um mesmo território há 200 anos, desde que os escravos fugiram das fazendas de Santarém e Óbidos indo refugiar-se nas florestas, na morada dos povos indígenas. No entanto, a partir de 2004, quando os processos de regularização fundiária tiveram início, criou-se uma situação onde a relação de convivência e compartilhamento de recursos naturais se transformou em disputa para definir o que é “terra indígena” e o que é “terra quilombola”.

A construção do acordo
O acordo é resultado da “articulação indígena-quilombola em Oriximiná” iniciada em 2012 com o incentivo da Comissão Pró-Índio de São Paulo e o Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena. A articulação busca fortalecer as relações históricas entre índios e quilombolas dessa região do Pará.

Reunião promovida pela articulação no Quilombo Abuí em fins de maio de 2015 possibilitou a aproximação e o acordo formalizado essa semana junto ao Ministério Público Federal. “Primeiro fizemos reunião só entre índio e quilombola para ficar mais à vontade e agora consolidamos com o Ministério Público Federal. É bom para a gente mostrar para o governo que não somos adversários, desde a escravidão já existia essa união entre índio e quilombola. A gente espera que o governo não ache argumento para não cumprir esse acordo” afirma o coordenador da associação quilombola Mãe Domingas, Aluízio Silvério dos Santos, que promoveu a reunião de conciliação.

O acordo estabelece a exclusão de cinco aldeias indígenas do interior da área de pretensão da comunidade quilombola Cachoeira Porteira. Como compensação, os índios cedem área de dimensão equivalente aos quilombolas. Também firmaram o compromisso de estabelecer, num segundo momento, um acordo para o uso compartilhado dos castanhais.

“O acordo é importante não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela forma como foi estabelecido: pelos próprios índios e quilombolas sem atores externos” avalia Lúcia Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio. “O acordo fortalece o direito à autodeterminação desses povos”, complementa.

Foto: Lúcia Andrade/CPI-SP

Próximos Passos

Agora cabe aos governos estadual e federal, por meio do Iterpa e da Funai, finalizar os processos de titulação e demarcação dessas terras. “É bom dizer que não há conflito entre nós e sim entre os governos. Estamos felizes com o acordo, nós conseguimos deixar as aldeias indígenas fora do limite da terra quilombola. Agora vamos continuar pressionando para conseguir a titulação e demarcação das nossas terras. Os governos

[estadual e federal] não têm mais desculpas para não resolver a situação”, cobra Juventino Kaxuyana, da Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana.

Para dar continuidade ao processo de titulação era fundamental que fosse retirado do limite do território quilombola as aldeias indígenas, segundo Claucivaldo dos Santos Souza, presidente da Associação dos Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira (Amocreq-CPT). “Nós redesenhamos o mapa e limitamos o nosso espaço fora das aldeias. Agora vamos poder avançar no processo dos dois lados até conseguir a titulação das nossas terras.”

Na opinião da procuradora da República Fabiana Keylla Schneider “o acordo celebrado entre as comunidades quilombola de Cachoeira Porteira e as indígenas Kaxuyana e Tunayana demonstra o respeito e a importância da solução consensual de conflitos e às decisões tomadas pelas próprias comunidades envolvidas”.

O próximo passo é levar o acordo ao conhecimento das instituições responsáveis pela regularização das terras dessas comunidades. “Os órgãos responsáveis pelos processos, o Iterpa e a Funai, estavam alegando que o suposto conflito era o principal entrave. Portanto, esse acordo era fundamental para mostrar que o conflito nunca existiu, ele foi criado”, avalia Denise Fajardo Grupioni, do Iepé.


 

Entrevistas e redação: Bianca Pyl
Edição: Lúcia Andrade