Regularidade de licença prévia concedida pelo Ibama, em maio de 2020, para implantação de linha de transmissão é questionada pelo Ministério Público Federal
Comunidade quilombola Arapucu, em Óbidos, Pará. Foto: Catarina Soares Franco.
Em 15 de junho, o Ministério Público Federal ingressou na Justiça para anular a licença ambiental (Licença Prévia nº 636/2020) concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à Parintins Amazonas Transmissora de Energia S.A. A licença atesta a viabilidade ambiental de implantação de linha de transmissão que percorrerá quatro municípios nos estados do Pará e Amazonas e impactará comunidades quilombolas e ribeirinhas.
De acordo com o MPF, a licença prévia foi emitida “em clara violação das normas constitucionais e infraconstitucionais que tratam de empreendimentos deste porte, sobretudo pelo flagrante desrespeito à Convenção 169/OIT, cujo status em nosso ordenamento é dotado de supralegalidade”. A ação requer também que o Ibama se abstenha de emitir novas licenças até a realização das oitivas às comunidades quilombolas e ribeirinhas.
Alegando a impossibilidade de realização da consulta livre, prévia e informada aos quilombolas por causa da pandemia, a Fundação Cultural Palmares decidiu “postergar” o direito à oitiva e anuiu que Ibama emitisse a licença prévia.
Raimundo Ramos, liderança do Muratubinha, uma das comunidades quilombolas que pode ser cortada pela linha, avalia que “a ação do MP foi boa porque ainda dá uma esperança que a licença dada pelo Ibama seja revogada. Que essa consulta livre seja feita depois da pandemia. No momento, as lideranças estão voltadas para as ações contra o coronavírus”.
No caso das comunidades ribeirinhas, a ação civil pública aponta que as informações levadas ao procedimento instaurado pelo MPF “demonstram que, até o presente momento, não houve intenção de consultá-las, quase como se não existissem ali”.
Na ação, MPF solicitou ainda que a Justiça determine que as empresas Celeo Redes Brasil S.A, Parintins Amazonas Transmissora de Energia S.A e Elecnor Brasil LTDA fiquem impedidas de ingressar nas comunidades ribeirinhas e quilombolas até que a consulta seja realizada.
Comunidade Quilombola Muratubinha, em Óbidos. Foto: Arquivo CPI-SP.
Entenda o caso
No trecho que cortará o município de Óbidos, no Pará, a linha de transmissão atingirá as Terras Quilombolas Arapucu e Muratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes. Por essa razão, em 2019, a empresa realizou o Estudo de Componente Quilombola que deveria ser objeto de consulta antes da anuência da Fundação Cultural Palmares para emissão da Licença Prévia. Inicialmente, a consulta estava agendada para ocorrer no primeiro semestre de 2020.
Diante da impossibilidade de realizar a oitiva aos quilombolas por conta do isolamento social, a Fundação Palmares optou por dar o seu aval para que o processo de licenciamento ambiental continuasse sem a consulta aos quilombolas que será, segundo a FCP, realizada posteriormente. As comunidades sequer foram informadas de tal decisão.
A anuência de Sérgio Nascimento de Camargo, presidente da Fundação Palmares, foi protocolada junto ao Ibama em 26 de maio. Três dias depois, a licença prévia foi concedida à Parintins Amazonas Transmissora de Energia, da Celeo Redes Brasil.
Apenas onze dias após receber a licença prévia, a empresa solicitou ao Ibama a Licença de Instalação – que autoriza o início das obras para instalação do empreendimento.