Para atender a determinação judicial que estipulou prazo de dois anos para a titulação das Terras Quilombolas em Oriximiná, foi iniciado, em 2017, o processo de diálogo entre quilombolas e o governo federal. Com o prazo da Justiça prestes a ser encerrado, os quilombolas demandam a publicação imediata da portaria do Incra que declara seu território como Terra Quilombola.
Encerra-se em maio o prazo dado pela Justiça Federal para o governo titular as Terras Quilombolas Alto Trombetas 1 e Alto Trombetas 2, localizadas no interior do Pará, no Município de Oriximiná, onde vivem cerca de 3.000 quilombolas. A morosidade no andamento dos processos instaurados em 2004 levou o Ministério Público Federal a demandar na justiça a finalização dos procedimentos.
Visando atender a decisão judicial, o Incra publicou o relatório de identificação (RTID) dos dois territórios e uma agenda de diálogo foi iniciada com participação dos quilombolas e dos diversos órgãos envolvidos (Incra, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio e Fundação Cultural Palmares) na busca de alternativas para a assegurar os direitos dos quilombolas e superar os impasses decorrentes da criação de duas Unidades de Conservação sobrepostas aos territórios das comunidades (Reserva Biológica do Rio Trombetas, em 1979, e Floresta Nacional Saracá-Taquera em 1989).
Na continuidade do diálogo, a Associação Mãe Domingas (que representa a TQ Alto Trombetas 1), em 15 de abril, enviou carta aos presidentes do Incra, ICMBio e Fundação Cultural Palmares requerendo a adoção de medida concreta “algo que o governo pode fazer agora, demonstrando sua boa-fé”: a imediata publicação pelo Incra da portaria declarando seu território como terra quilombola. Essa é a próxima etapa do processo de regularização fundiária antes da titulação.
“A gente aguarda que o governo acate nossa reivindicação, que é nosso direito, mostrando que o diálogo é para valer” espera Ari Carlos Printes, coordenador da Associação Mãe Domingas. Até o fechamento dessa matéria, a associação não havia obtido uma resposta dos órgãos de governo.
Como resultado das rodadas de diálogo, em fevereiro de 2018, o ICMBio formalizou uma proposta de acordo objetivando a conciliação de interesses. Por sua vez, Incra e Fundação Cultural Palmares apresentaram seu parecer acatando em parte as propostas do ICMBio e acrescentando suas contribuições para o acordo.
Posição da Associação Mãe Domingas
A carta da Associação Mãe Domingas apresenta o posicionamento da TQ Alto Trombetas 1 aos documentos encaminhados pelo governo reforçando que todo o território identificado no Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Incra deve ser declarado agora na portaria. Assim, refutam a proposta do ICMBio que prevê o reconhecimento de apenas da porção do território tradicional quilombola sobreposta a Floresta Nacional e prevê que, no futuro, as comunidades deixem de utilizar os recursos da Reserva Biológica. A posição dos quilombolas é respaldada pelos pareceres do Incra e da Fundação Cultural Palmares que indicam a imprescindibilidade da Reserva Biológica para essa população.
Numa demonstração de abertura ao diálogo, a Associação Mãe Domingas reafirma na carta seu direito de titulação da área sobreposta a Rebio, mas se coloca disposta a prosseguir com as negociações buscando alternativas de regularização fundiária que “contemple o nosso direito de continuar utilizando os recursos na Rebio, que são tão importantes para nossa sobrevivência e tradição de nosso povo”.
Por fim, a carta coloca a surpresa com o fato do ICMBio ter proposto a concessão de Contrato de Concessão de Direito Real de Uso em curto prazo sem ter informado nas negociações que ainda não tem a titularidade da área e conclui que essa é mais uma razão para a publicação imediata da portaria do presidente do Incra. A associação também a acata a proposta de conciliação apresentada pelo Incra que sugere que a Portaria de Reconhecimento do Incra contenha uma cláusula indicando que as ações de regularização terão continuidade primeiro na área sobreposta a Floresta Nacional enquanto as negociações seguem para a busca de um acordo na porção envolvendo a Rebio.
A associação da Terra Quilombola Alto Trombetas 2 (ACRQAT) ainda não havia formalizado seu posicionamento até a publicação dessa matéria.
Processo de Diálogo
Atendendo à determinação judicial, em 14 de fevereiro de 2017, o Incra publicou os relatórios de identificação das Terras Quilombolas Alto Trombetas 1 e Alto Trombetas 2. Os estudos encontravam-se concluídos desde 2013, mas não eram publicados por conta do impasse envolvendo as Unidades de Conservação.
A partir da publicação dos relatórios de identificação, iniciou-se o processo de diálogo entre as associações quilombolas, Incra, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Fundação Cultural Palmares e Ministério Público Federal na busca de alternativas para conciliação dos interesses envolvidos. A Comissão Pró-Índio de São Paulo acompanha a mesa de diálogo a convite da Associação Mãe Domingas.
Após três rodadas de reuniões em Brasília, em dezembro de 2017, comitiva com representantes do ICMBio, Ministério do Meio Ambiente, Incra, Fundação Cultural Palmares e Serviço Florestal Brasileiro realizaram três reuniões nas comunidades para apresentar e debater as propostas, dando início ao processo de consulta livre, prévia e informada. Porém, os debates ficaram prejudicados pela ausência de uma proposta formal por parte do governo como havia sido acordado na última reunião em Brasília. Assim, para a continuidade do processo de diálogo, as associações quilombolas demandaram que o presidente do ICMBio formalizasse os termos da proposta e que Incra e Fundação Cultural Palmares emitissem um parecer sobre a mesma, o que ocorreu em início de 2018.
Na continuidade do processo de diálogo mais duas reuniões do Incra e ICMBio nas comunidades estão previstas para os dias 11 e 12 de maio para apresentar esclarecimentos sobre os procedimentos relativos à registro e matrícula de parte da área em nome da União e a transferência de outra parte sob gestão da Secretaria do Patrimônio da União para o ICMBio. Como esse ponto não foi abordado nas tratativas de 2017, a reunião foi especificamente agendada para a informação.
Sob o risco da mineração
Os territórios Alto Trombetas 1 e Alto Trombetas 2 estão ameaçados pelas atividades da maior produtora de bauxita do Brasil que se desenvolve dentro da Floresta Nacional Saracá-Taquera.
A empresa vem expandindo a extração para dentro dos territórios quilombolas. Em 2013, o Ibama autorizou a mineração dentro da TQ Alto Trombetas 2 (Platô Monte Branco) sem consulta prévia, indenização ou plano de mitigação. Os planos da mineradora incluem a exploração de outros platôs dentro dos territórios quilombolas, o que implicará o desmatamento e escavação do solo assim como a instalação de alojamentos permanente e temporários, de correias transportadoras e estradas dentro dos territórios quilombolas.