O direito dos quilombolas à consulta livre, prévia e informada foi “postergado” pelo governo federal em função da pandemia. Mas o processo de licenciamento ambiental do linhão avança a despeito do coronavírus
Trecho do Linhão de Tucuruí já construído em Oriximiná (PA). Foto: Carlos Penteado.
No dia 9 de junho, a Parintins Amazonas Transmissora de Energia protocolou no Ibama o pedido de Licença de Instalação da linha de transmissão que irá de Oriximiná (Pará) a Parintins (Amazonas), com impactos para comunidades quilombolas e ribeirinhas. A Licença Prévia foi concedida pelo Ibama em maio de 2020 sem a obrigatória consulta aos quilombolas.
Alegando a impossibilidade de realização da consulta livre, prévia e informada aos quilombolas por causa da pandemia, a Fundação Cultural Palmares decidiu “postergar” o direito à oitiva. Contudo, a concessão da Licença Prévia não foi adiada. Assim, o licenciamento ambiental avança a despeito do coronavírus: onze dias após receber a licença prévia, a Parintins Amazonas Transmissora de Energia requereu a Licença de Instalação – que autoriza o início das obras para instalação do empreendimento.
A Linha de Transmissão 230 kV Oriximiná-Juruti-Parintins trará impactos para quatro comunidades quilombolas no município de Óbidos (Pará). Por essa razão, a legislação determina a realização de estudos de impactos ambientais específicos (Estudo do Componente Quilombola) e a consulta aos quilombolas (Portaria Interministerial n.º 60, de 24 de março de 2015 e a Instrução Normativa FCP nº 1, de 31 de outubro de 2018). Dessa forma, a decisão da FCP afronta as normas que disciplinam o licenciamento ambiental de empreendimentos com impactos em comunidades quilombolas.
Em 08/06, 70 movimentos, organizações, coletivos e sete parlamentares, demandaram, em nota, que a licença prévia emitida em maio seja cancelada e que o processo de licenciamento ambiental seja paralisado até que seja possível consultar as comunidades quilombolas.
A emissão da licença ambiental é ainda mais controversa tendo em vista que na data da decisão a Fundação Cultural Palmares já não tinha a competência de se manifestar em matéria de licenciamento ambiental de empreendimentos que impactam comunidades quilombolas. Esta atribuição já havia sido transferida para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 9 de março de 2020.
Comunidade Arapucu. Foto: Arquivo CPI-SP.
Entenda o caso
No trecho que cortará o município de Óbidos, no Pará, a linha de transmissão atingirá as Terras Quilombolas Arapucu e Muratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes. Por essa razão, em 2019, a empresa realizou o Estudo de Componente Quilombola que deveria ser objeto de consulta antes da anuência da Fundação Cultural Palmares para emissão da Licença Prévia. Inicialmente, a consulta estava agendada para ocorrer no primeiro semestre de 2020.
Em 18 de fevereiro de 2020, Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Pará recomendaram conjuntamente ao Ibama e à Fundação Cultural Palmares “que suspendam ou se abstenham de emitir qualquer autorização/licença ou renovação à empresa”. No mesmo ato, recomendaram também que a empresa “se abstenha de realizar qualquer atividade referente à Linha de Transmissão (LT) 230 kV Oriximiná – Juruti – Parintins e Subestações (SE’s) Associadas, até que seja realizada a consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção 169 da OIT”.
Porém, diante da impossibilidade de realizar a oitiva aos quilombolas por conta do isolamento social, a Fundação Palmares optou por dar o seu aval para que o processo de licenciamento ambiental continuasse sem a consulta aos quilombolas que será, segundo a FCP, realizada posteriormente. As comunidades sequer foram informadas de tal decisão.
A anuência de Sérgio Nascimento de Camargo, presidente da Fundação Palmares, foi protocolada junto ao Ibama em 26 de maio. Três dias depois, a licença prévia foi concedida à Parintins Amazonas Transmissora de Energia, da Celeo Redes Brasil.
Comunidades ribeirinhas poderão sofrer impactos
Além das duas Terras Quilombolas, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) protocolado pela empresa aponta que “12 Projetos de Assentamento terão seu território diretamente interceptados pelo traçado da Linha de Transmissão”. Dez estão localizados no Estado do Pará – cinco em Óbidos e outros cinco em Juruti – e outros dois estão localizados em Parintins, com população estimada 7.872 famílias.
No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), não há menção a estudo específico para a população ribeirinha e, segundo o documento, “em relação às comunidades ribeirinhas, que vivem às margens dos grandes rios e seus afluentes, assim como nas demais regiões da Amazônia é comum a presença destas na Área de Estudo (AE) e Área de Diretamente Afetada (ADA) do empreendimento.”.
Reunião na comunidade Muratubinha em dezembro de 2019. Foto: Arquivo CPI-SP.
A empresa responsável pelo empreendimento
A Linha de Transmissão Oriximiná-Juruti-Parintins foi arrematada pela Celeo Redes Brasil, que venceu o leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em dezembro de 2018. O empreendimento se encontra em processo licenciamento ambiental no Ibama (Processo 02001.001988/2019-68).
Por meio da Parintins Amazonas Transmissora de Energia S.A., a Celeo Redes Brasil S.A. ficará responsável pelo planejamento, implantação, operação e manutenção da Linha de Transmissão por 30 anos. O linhão terá mais de 225 quilômetros de extensão, 451 torres de altura média de 44 metros de altura – podendo chegar a 260 metros no trecho em Óbidos, que atravessará o rio Amazonas.
De acordo com o site da Celeo Redes Brasil, ela é a empresa pela qual a Celeo Redes S.L. desenvolve suas atividades no Brasil. A empresa tem origem espanhola e sua “estrutura acionária da Celeo Redes S.L. está dividida em 51% da Celeo Concessões de Investimento SLU, pertencente ao Grupo Elecnor SA, e os restantes 49% do APG Infrastructure Pool 2012, um fundo holandês gerido pela APG Management NV, um dos principais gestores de fundos de pensões da [sic] mundo.”