Se no passado o Pará foi referência na titulação de terras quilombolas, hoje o cenário é de morosidade no andamento dos processos e poucas titulações
Foto: Carlos Penteado/Comissão Pró-Índio de São Paulo |
O Pará e o Maranhão são os estados com a maior quantidade de terras quilombolas tituladas no Brasil, 55 em cada estado. Em ambos os casos, as boas cifras foram garantidas pela atuação dos governos estaduais. No Pará, 45 titulações foram garantidas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa).
No entanto, o último mandato do governador Simão Janete mudou o curso dessa história: apenas três terras quilombolas foram tituladas de 2011 a 2014. “Os títulos outorgados pelo Iterpa representam mais de 30% de todas as titulações realizadas no Brasil. Mas o protagonismo do governo do Pará ficou no passado. O estado conta com uma legislação pioneira e exemplar para a regularização de terras, mas nos últimos anos se omitiu efetivação desse direito”, segundo Otávio Penteado, assessor de programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
Girolamo Treccani, professor da Universidade Federal do Pará, reconhece o pioneirismo do governo do Pará, mas destaca que aparentemente a titulação de terras quilombolas deixou de ser prioridade política: “O governo do Pará foi o primeiro a entender a legitimidade da desapropriação dos particulares, em casos de terras incidirem em áreas quilombolas, e aprovou uma legislação avançada em relação ao restante do Brasil. Contudo, esse quadro se alterou de forma significativa de 2011 a 2014, houve uma retração significativa do número de titulações no período”.
De acordo com a promotora Eliane Moreira, o Ministério Público Estadual avalia que não existia um esforço efetivo por parte do governo estadual de realizar as titulações. “Em alguns anos o Iterpa sequer chegou a pedir recurso para atividades essenciais de titulação. Havia um descaso com a questão da titulação até final de 2014”, avalia. A promotora acrescenta que o Iterpa não tinha planejamento técnico, orçamentário e nem financeiro: “Sempre se alegava que não havia recursos, mas no momento de apresentar o pedido de recursos não tinha planejamento, nem para as indenizações e nem para as atividades essenciais para titulação. E isso resultou em números irrisórios, vergonhosos.”
No início do ano, a Malungu – Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará e o Ministério Público Estadual realizaram reuniões com Iterpa e Incra para cobrar a retomada das titulações. O MPE chegou a redigir uma ação civil pública, contudo o atual presidente do Iterpa, Daniel Lopes, assumiu de forma voluntária os compromissos previstos na ação. Uma primeira mudança já ocorreu: o quadro de funcionários para atuar no tema passou de um para cinco pessoas.
“Temos trabalhado de forma conjunta para avançar com os processos que se encontram em tramitação no Iterpa, definindo as prioridades para o trabalho nos próximos quatro anos”, explica o presidente do Iterpa. Para este ano, 37 processos foram incluídos na lista de prioridades do órgão. “Primeiramente serão agilizados os processos em fase de conclusão, seguidos daqueles que tramitam há mais tempo, mas estão paralisados por alguma pendência”, relata Daniel Lopes.
Segundo o Professor Girolamo que assessora a Malungu, os quilombolas apresentaram propostas e o Iterpa também, “é preciso uma proposta conjunta para que haja a efetivação. Eu vejo uma perspectiva favorável, o governo do estado prometeu pelo menos 3 títulos no primeiro semestre de 2015, vamos esperar”.
Aurélio Borges, coordenador da Malungu, considera que houve falta de vontade política em titular nos últimos anos mas que sentiram “um compromisso do Iterpa em estar resolvendo algumas situações. Achamos que esse crédito de sete meses pode ser dado”.
O MPE estipulou o prazo de sete meses para o Iterpa cumprir com o que foi acordado, senão será movida uma ação civil pública.
Edição: Lúcia Andrade e Otávio Penteado.
A reprodução total ou parcial do conteúdo e das imagens deste sítio é incentivada, desde que citada a fonte e sem fins lucrativos.