Cem anos após a abolição da escravidão, a Constituição brasileira de 1988, pela primeira vez, reconhecia a existência dos quilombos contemporâneos e assegurava o direito às suas terras. A reparação tardia, porém, tem encontrado empecilhos de diferentes ordens para se concretizar.
Até hoje, apenas 258 comunidades quilombolas – em 168 terras – contam com o título de propriedade de suas terras. São mais de 1.600 processos em curso no Incra no aguardo do cumprimento da determinação constitucional. Desde 2004, a Comissão Pró-Índio de São Paulo monitora os processos que caminham lentamente em decorrência das limitações de recursos humanos, das restrições orçamentárias, entraves burocráticos e resistência dos setores que disputam as terras quilombolas.
O cenário de baixa efetividade dos direitos quilombolas pode se agravar a depender do resultado do julgamento previsto para amanhã (16/08) no Supremo Tribunal Federal. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi apresentada em 2004 para questionar o decreto que, em novembro de 2003, estabeleceu os procedimentos para titulação das terras quilombolas.
O Decreto 4.887/2003 aclarou procedimentos, adotou o critério da autoatribuição de acordo com o que preconiza a Convenção da 169 da Organização Internacional do Trabalho e previu a hipótese de desapropriação nos casos de sobreposição com títulos válidos. E vem sendo aplicado há 14 anos sem qualquer risco à “segurança jurídica” como temiam os autores da ADI.
Para a Comissão Pró-Índio não há dúvidas que os propositores da ADI lançam mão do subterfúgio da suposta inconstitucionalidade do decreto com o único intuito de cercear os direitos das comunidades quilombolas.
Considerado o decreto inconstitucional pelo STF, teremos um vazio de normas que pode paralisar de vez, os processos de titulação das terras quilombolas que já tramitam tão lentamente. No atual contexto da política brasileira, está claro que a instituição de novas regras em substituição do Decreto 4.887/2003 só virá no sentido de restringir o alcance dos direitos reconhecidos às comunidades quilombolas pela Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT.
A reparação pelos 300 anos de escravidão pode ficar ainda mais longe de se concretizar.