Em 20 de novembro de 1995, a Terra Quilombola Boa Vista, no Pará, se tornou o primeiro quilombo regularizado no país. “A importância do título da terra é que nós temos documentos, agora é nosso”, conta a liderança Zé do Melo, de 78 anos, no programa especial da Rádio da Pró-Índio

Manuel Edilson, o “Manduca”, que na época da titulação era o presidente da associação da comunidade Boa Vista. Na foto, ele exibe o título de propriedade da Terra. Foto: Lucia Andrade/Arquivo CPI-SP.

Neste 20 de novembro, dia da Consciência Negra, a Rádio da Pró-Índio conta a história da primeira titulação de Terra Quilombola do Brasil. Há exatos 25 anos e após muita luta, a comunidade do Quilombo Boa Vista, em Oriximiná, no Pará, conquistou o título de propriedade de suas terras. “Nós morava neste quilombo desde o tempo do meu avô, mas nós não tinha o papel, nós não tinha o título definitivo, e agora nós temos”, relembra Zé do Melo, de 78 anos, que contribuiu na época da titulação.

Boa Vista foi titulada em 1995, sete anos depois da aprovação da Constituição de 1988, a primeira a garantir o direito das comunidades quilombolas à propriedade de seus territórios. “Foi uma luta muito grande. A gente descobriu na Constituição que a gente tinha direito às nossas terras né? E a gente correu atrás. Esses parceiros ajudaram a gente, que foi a Comissão Pró-Índio e outras”, relata Maria Zuleide Viana dos Santos, 65 anos.

Carlos Printes, que participou do processo enquanto coordenador da ARQMO (Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná) destaca que um dos desafios foi convencer o governo que o título tinha que ser coletivo. “Tentaram ainda fazer individual, mas a própria comunidade falou que não, porque a gente trabalhava coletivo, então se fizesse daquele jeito não ia dar certo para comunidade.” Ele também conta que a vitória foi importante para outros quilombos: “Foi a primeira titulação de terras quilombolas no Brasil. Então, isso abriu espaço para titular outros territórios.”

Comunidade Boa Vista. Foto: Carlos Penteado/Arquivo CPI-SP.

Hoje, a mineração é a principal preocupação da comunidade quilombola Boa Vista

Mas nem tudo é comemoração. A comunidade ainda enfrenta inúmeros impactos socioambientais gerados por 41 anos de mineração na região: Boa Vista é vizinha da maior produtora de bauxita do Brasil, que ergueu 26 barragens de rejeitos em Oriximiná — a mais próxima está a apenas 400 metros da comunidade. “A minha maior preocupação é uma dessas barragens se romperem, numa hora que a gente nem espera. É muito complicado você dormir e acordar com esse pensamento, que querendo ou não isso se torna uma angústia para nós. Eu que moro bem em frente”, desabafa a moradora Lucicleide Lopes.

A poluição e a contaminação dos rios e nascentes também preocupa a comunidade. “A mineração, a gente tem ido para cima, têm lutado em reunião, e ela fala que ainda não tem um projeto feito para limpeza do Igarapé da Água Fria. Era um igarapé muito bonito, muito grande, e parte dele está aterrado. Hoje, a gente tem um problema muito sério com o abastecimento de água”, conta Amarildo dos Santos, da associação da Boa Vista.

“Antes a água era cristalina, pura e sadia. Hoje eu tenho medo”. Depoimento Zuleide Viana dos Santos, dona “Zuzu”, para o livro lançado pela CPI-SP em dezembro de 2018. Foto: Carlos Penteado/Arquivo CPI-SP.

Além do acesso a água, outro desafio é a falta de energia elétrica, que só dura quatro horas por dia, segundo os moradores. “O Linhão [torre de transmissão] passa em cima das nossas casas, gerando energia para outros lugares, enquanto nós estamos aqui né, precisando”.

Tantos problemas demandam muita mobilização dos moradores e moradoras da Boa Vista como comenta Carlene Printes: “A gente têm uma história de resistência, uma história de luta, e pode passar o ano, a quantidade de anos que for, e a gente estará lá, sempre lutando, resistindo por mim, por outros que ainda virão, mas a gente vai resistir.”

Amarildo dos Santos concorda: “A arma mais forte que nós temos é a união. A gente consegue se unir, a gente consegue buscar parcerias naquilo que a gente não tem conhecimento, e ir para cima da mineração para que ela possa estar cumprindo com o seu papel, porque a gente unido, a gente é bem mais forte”.

 Vista aérea da barragem de rejeito (curso d’água de cor avermelhada), logo acima está o igarapé “Água Fria” e as primeiras casas da comunidade Boa Vista (parte superior da foto). Créditos: Carlos Penteado/Arquivo CPI-SP.

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Créditos

Texto: Andressa Santa Cruz
Fotos: Lucia Andrade e Carlos Penteado

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